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CriadoMudo
 
terça-feira, agosto 05, 2003  
Para não dizer que não falei de flores ...

“O berço balança pairando sobre um abismo, e o senso comum nos diz que nossa existência não passa de uma breve fenda de luz entre duas eternidades de trevas. Embora as duas sejam gêmeas idênticas, o homem, em geral, encara com mais calma o abismo pré-natal do que aquele a que se destina (a cerca de quatro mil e quinhentas pulsações cardíacas por hora). Conheço, porém, um jovem cronófobo que sentiu algo parecido com o pânico ao ver pela primeira vez filmes domésticos que haviam sido feitos algumas semanas antes de seu nascimento. Viu um mundo que praticamente não apresentava qualquer diferença – a mesma casa, as mesmas pessoas -, mas então percebeu que era um mundo onde ele não existia, e que ninguém deplorava a sua ausência. Viu de relance sua mãe acenando de uma janela do segundo andar, e aquele gesto estranho o perturbou, como se fosse um adeus misterioso. Mas o que o deixou particularmente assustado foi a visão de um carrinho de bebê novo em folha na varanda, com o ar presunçoso e inoportuno de um ataúde; e também estava vazio, como se, naquele curso invertido dos acontecimentos, seus próprios ossos se tivessem desintegrado.”
Speak, Memory - Nabokov



*Essa história de cronofobia, não-existência etc. descrita neste trechinho do 'A pessoa em questão' (é, a tradução do título, pra variar, é esquisitinha) me é bastante familiar e perturbadora.*

22:53

 
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